A noite Das revelações


Pareceu-me que Lau estava arrependido de estar tão próximo de mim outra vez, pois sempre que percebia um aproximar de assuntos referentes a vidas remotas, dava as costas e esticava o fogo com um sopro certeiro. O cheiro do feijão novo e do arroz fazia-me viajar no tempo. A noite foi chegando. Da janela, fico a observar o movimento das aves e dos animais que, sem líder, seguem para seus poleiros, casa e ninhos. A lua cheia faz refletir o olhar assombroso da coruja. O exibido vagalume esnoba a sua exclusividade.

- “Nhonhô”, não!, “Sabuguinho de milho”, não!, “André”, e que infistula de nome – brinca Nhô Lau – vem comê, meu filho! Num tom sereno e gentil, pede-me que eu faça a oração de agradecimento pelo jantar. A fartura era sem medida. Um pouco de cada: torresmo, carne de porco, frango e até um pedaço de “paca”, pois nessa época a caça era farta e ninguém matava para comercializar.

- Coma tudo, rapaiz pra num sobejá, disse Nhô Lau.

No decorrer do jantar, falamos de vários assuntos e colocamos nossa conversa em dia. Enquanto a água de café fervia na panela de ferro, conversávamos e palitávamos os dentes com lascas dos gravetos expostos no fogão de lenha.

- “Lau!”- questionou.

- Não Nhonhô! Hodje não. Tá bem moleque daninho, chega de martírio, a Bíblia diz que “E conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”. Olha filho, creio que mecê não é mais “Sabuguinho de milho”. Pra mim você é o Nhonhô de sempre, sua mãe antes de se casar com vosso pai teve outro companheiro, onde seus irmãos são só por parte de mãe.

Não perguntei nada, apenas ouvia sempre observando o barulho da ebulição na chaleira.

- Tem mais, meu filho: o pai de seus irmãos não dava sossego pro seu pai, nem pra sua mãe. Vivia rodeando a casa pra ver as crianças. Motivo que incomodou seu pai, provocando várias discussões, obrigando seus irmãos a irem morar com a sua madrinha. Lau ofereceu-me uma caneca de agâte de café, onde não percebe nem o coar do pó. Mal pude tomar devido à quentura, bem maior que a temperatura do café da cidade.

- Seu pai, filho – continua ele –, seu pai agüentou de mais. Ele sofreu muito meu filho. A primeira esposa o abandonou quando ele mais precisava de uma companheira, ele foi mordido de cobra e quase não agüentou. Fizemos vários remédios caseiros, pó de café, taioba, leite de umbigo de banana... Graças à oração da igreja e o Dr. Mário, que o bardeou para a capitar, foi a salvação. Foi aí que ele conheceu sua mãe, sendo abandonado pela outra em sua estadia no hospital, ficou vários dias em repouso aqui em casa, e Isabér, sua mãe, morava logo ali, deixava as crianças ainda pequenas e corria pra cá enquanto eu ia para o roçado.

- E o antigo marido de minha mãe, Lau?

- Ninguém mais sôbe dele, Nhonhô, assim como o seu pai também.

- E por quê meu pai não voltou mais pra casa nhô Lau?

- Fio! Perdoe eu, mais o seu pai tem sangue de barata, uma mosca morta como diz o adágio. Eles sempre labutam, mas não teve apoio. Quando sua mãe conheceu ele, continua , ela me pergunto se ele tinha posse, até que tinha, mas ele teve que vendê a terra pra ajudá no tratamento e no sustento das baguazinho, quando mecê nasceu, só restava a morada onde tá té hoje, depois disso foi enguiço de vereda, humilhação sem o coitado merecê, inté que ele silenciosamente disse um basta, como ocê mesmo presencio, e tem mais, num quero ficá com a moringa pesada. Seu pai, Nhonhô, foi visto drumindo num posto da beira federar prus lado da BR-2.

Dei um pulo do banquinho, esborrifou café pelo assoalho vermelhão.

- Onde nhô Lau? Quem falou? Diga-me!

- Carma, carma – colocou-me sentado novamente – num sei direito, ele tá caminhando, o coroné Duardo falô, mas não se sabe. Inté pedi prus camarada do fazendero becervá quando fô pru Sur, se num vê arguém iguar, gerarmente, o vivente que seguem essa sina, entram na cidade pra pedi o pão.

As palavras de conforto de Nhô Lau, fez-me acalmar e dormir tranqüilo, prometendo ir ao encontro de papai, Acordei várias vezes pela manhã imaginando coisas, até que senti novamente a companhia agradável da cantiga seqüencial dos galos, pássaros, animais e aves, anunciando o alvorecer.

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