De mendigo a príncipe


- “Meu nome é Nelson Farias, fui mendigo durante 14 anos, em plena cidade do Rio de Janeiro, como tal, não só vivi da caridade pública, mas também me alimentava de restos de comida azeda jogados nas lixeiras. Sem residência, certa noite, envolto em trapos, dominado por febre muito alta, dormia ao relento, junto ao monturo. Julguei que morreria naquela noite. Ao lixo, lançaram fogo e eu acabei recebendo queimaduras de 1º, 2º e 3º graus. Levado em um caminhão por um bondoso motorista, fui socorrido no Hospital Getúlio Vargas, o fato, que se deu em 1958, foi noticiado pelos jornais.

- Tais sofrimentos me levaram a fazer um balanço. Parei para refletir e indagar a mim mesmo o porquê de tal situação humilhante. Enquanto assim pensava, recebi a visita de dois anjos que me falaram de uma esperança viva e da possibilidade de experimentar um novo nascimento, a fim de participar do Reino de Deus. Antes de se retirarem, pediram a Deus por mim. Eram duas senhoras da Igreja Batista, em Vieira Fazenda.

“A razão do que ouvi, disse comigo: Só mesmo um novo nascimento pode mudar o rumo da minha vida. Logo em minha alma de mendigo, brotou uma sede tal que, para saciá-la, obedeci à instrução das visitantes: “Creia no Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, que na cruz morreu por você e ressuscitou para sua justificação, e serão salvos sua alma e seu corpo”. Achegue-se a Cristo como está!”. Naquele instante eu disse: Eu creio Senhor Jesus Cristo, que Tu me podes transformar, e por isso, tal qual estou, eu me lanço nos teus braços; aceita-me e tem misericórdia de mim. Achei meu lugar junto de Jesus, na Igreja Batista Fazenda (RJ).

“Estava separado de minha esposa já por doze anos. Ao procurá-la para contar a nova, achei-a terna fiel. Foi mais uma alegria que Jesus me proporcionou. Reconstruímos nosso lar; sete jóias Deus nos deu. Ao fim de mais doze anos, adoeci e deixei com o meu pastor a história do meu encontro maravilhoso com Jesus”.


Minha mãe, sendo avisada veio logo pra cá, onde pude perceber um remorso por não tê-lo compreendido. Ao se aproximar de papai, agora no terreiro, chorou amargamente repetindo várias vezes:

- Você não é vagabundo! Você não é vagabundo, me perdoa, perdoa. Eu sei que não mereço perdoa eu...

Agora já liberta da depressão hereditária, o humilde homem de barba grande e pés rachados, ainda com as características de andarilho demonstrou o quanto a amava, abraçou-a e num belo gesto mostrou o sinal da picada de cobra, um sorriso misturado entre lágrimas mostrou novamente a união de papai e mamãe.

No mesmo instante meu velho Lau, pendurado num Jipe, avisa que preciso ir para chácara resolver problemas burocráticos, “coisa de Dodô” como diz ele, e assim fiz. Nesta altura, a vizinhança de todos os arredores fazia fila.

Ao chegar ao escritório, liguei para o Dr. Kamini, agradecendo tudo o que fez, e ele, modestamente, me disse que fez apenas o seu trabalho. Resolvi toda essa papelada, pediu então que minhas irmãs cuidassem da arrumação da casa onde traria definitivamente o casal para morarem ali.

Aceitaram um pouco constrangidos pela situação ainda não cicatrizada, mas vieram.

Lau, apesar de feliz, parecia enciumado, pois achou que eu me distanciaria dele, mas isso jamais aconteceria, e ele bem sabia disso.

Elena passou a vir com mais freqüência à chácara, talvez pelo fato de se tornar um ambiente mais familiar. Agora sim me sentia completo, as rachaduras dos pés de papai já estavam desaparecendo, pois mamãe vivia fazendo salmouras com ervas. Difícil mesmo foi desfazer a barba e eliminar o cheiro do tempo que encuruou na pele do fugido que foi um dia.

A musa marcava cartão na chácara, causando ciúmes aos pais que passaram a freqüentar a chácara batizada por Lau de “Paraíso”.

Mas esta visita não foi por acaso. Elena queria naquela tarde, formalizar o que eu já havia pedido, a sua mão em casamento. Achei estranho e perguntei.

- Não teria que ser na sua casa?

- As coisas mudaram Nhonhô, brincou a princesa.

Num longo beijo, na frente de todos os que estavam presentes, selamos mais uma vez a nossa união. Entre olhares tímidos e curiosos, entramos para o jantar desta vez, preparado por minha mãe como antes.

Ao nos despedirmos, tudo parecia brincadeira quando Elena chamou-me no canto para me falar que possivelmente viajaria nos próximos dias para Corsica na França, não levei a sério, pois tudo o que a família realizava era previamente planejado.

Lau caçoava por eu estar desanimado, perguntando se eu estaria com saudade.

Que nada véio! Respondi acho que ainda não acabou.

A madrugada parecia não ter fim, nem o cantar dos galos, o gorjear dos pássaros, me traziam alegria, como uma coruja, sentia-me numa noite sem luar. Logo aos primeiros raios de sol, Lau, buzina na porteira da chácara, já conformado com a decisão, dirijo-me ao seu encontro. Com a face enrugada procura me animar.

Elena parecia que queria me evitar, pois há dois dias me evitava, sua mãe insinuava imaturidade dela, querendo dizer que tudo já não havia ocorrido pela situação difícil em que passei, referindo-se ao desaparecimento de meu pai. Fiz a entender que minha preocupação maior agora, era com a felicidade e o futuro de Elena, visto que eu já teria conquistado minha estabilidade financeira, que tudo para mim era mera vaidade.

Após a longa conversa e despachar as papeladas do escritório, peguei minha condução e segui até a cidade para pensar.

Na mesma lanchonete, conhecida como café-bar, estacionei e, ao me aproximar da entrada, uma voz rouca e quase calada murmura meu nome. Finjo não querer ouvir, mas é irresistível. Ao me voltar para ela, vejo lágrimas descerem pelo vidro lateral em meia altura. Sem me importar muito com a situação, me dirigi até Elena, ao sair do carro, me abraçou e beijou-me ardentemente me perguntando se estava triste.

- Feliz, muito feliz –ironizei.

Discretamente ela chorou, e eu então, me senti como um covarde. Procurei ampará-la percebi um novo mistério que acabara de nascer ali. Sem dizer outras palavras, entra no automóvel e deixa logo a rua. Fico a observar até desaparecer, entendendo apenas que ela partiria.

Após seis meses de ausência, fui até a fazenda que estava solitária até o presente dia. Ao me aproximar, a esposa do velho caseiro veio ao meu encontro com três cartas com datas passadas. Parecia que alguém queria evitar que elas chegassem até minhas mãos.

Ao ler, pude perceber o quanto Elena me amava e quanto seria difícil um retorno.

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